#55 Este texto não termina

Flávia Six
2 min readOct 21, 2021

Às vezes questiono se é possível o esgotamento. Perguntaram-me há um ano, em tempo isolado, qual era o meu processo criativo. Foi a primeira vez que alguém me perguntou algo do gênero, eu achei tão chique. Falei que era o silêncio. Ele me respondeu que andava sem muita inspiração, que era a rua que lhe fazia acessar as ideias. Quando a gente não sai, a gente depende do que vem, e os estímulos são limitados. Até tem o online, mas não é a mesma coisa de sentir no corpo. Falo isso porque estou aqui, preciso escrever este texto, e não sei sobre o quê. Minha irmã me jogou uma palavra aleatória (alcachofra), e eu até poderia usá-la, mas não sei. Acho que ando numa fase meio blé. Olhei ao redor da minha mesma casa e pensei: será que existe um esgotamento das coisas? Ou será que o esgotamento está em mim? Talvez eu esteja repetindo lugares internos. Não sei. Acho que realmente ando meio blé. Um amigo me contou uma vez de seu desapego em ideias, e de como não anotava as que tinha. Admirei sua falta de medo, mas então ele disse que começou a anotar todas as ideias que surgiam, mesmo que fossem estúpidas, mesmo que nunca planejasse colocá-las em prática. E, de repente, elas se multiplicaram. Ele falou algo sobre se ser um lugar fértil. Existe uma matemática que não faz sentido, mas estamos presos em razões materiais. Gosto muito daquele argumento do bolo: Direitos não são bolo. Nem sempre há uma medida específica que diminui na divisão, às vezes dividir é exatamente o que a faz crescer. Eu me pego economizando em coisas de que gosto, é um vício bobo. Pensamos demais numa lógica consumista e dependente de tato, como se tudo fosse recipiente, frascos de conteúdo que se acabam, quando a verdade pode ser a expansão de quanto mais se tem. Certas coisas não sabem limite, e outras simplesmente terminam. Como a inspiração de tudo isso que estou dizendo. É difícil às vezes manter o raciocínio, queria ser pessoa que despeja livre. Parece quando escrevo no diário e, no meio da primeira frase, já fico a olhar para longe. Meu diário não sai na caneta, ele é só lugar de reflexão. Hoje as coisas me parecem pela metade. E acho que tudo bem elas serem pela metade, acho que tudo bem se eu não quiser terminar este texto, acho que tá tudo bem em interromper. É preciso esquecer a urgência de tudo. Eu tenho 27 anos: tenho a vida inteira para terminar os textos que escrevo.

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