#62 Beija-flor

Flávia Six
2 min readDec 16, 2021

A vida tem sido muito rápida. Semana que vem já é Natal, e eu bem que podia ainda estar em outubro. Tenho andado arrastada, por um lado querendo o tempo de chegar a hora de descanso, por outro exigindo calma porque há muito o que fazer antes de deitar. Dia desses tive dez minutos de pausa, e quase liguei um vídeo para preencher o meu silêncio. Porque, se tudo é corrido, tem também o nosso hábito de correr. Vamos reproduzindo o nosso alcance curto, tirando de trás para pôr na frente, copiando nós mesmos numa ilusão daquilo ainda nos ser. Tem de haver atenção nessa transferência que move, fazer os ajustes precisos para não ficar preso numa mecânica de apagamento do eu. Para não olharmos ao redor e não haver nada que nos faça sentido. Mas esses dias eu comprei um abacate pela primeira vez na minha vida. Fiz um guacamole e fiquei tão feliz por me lembrar das mudanças, do gosto que evolui e vai nos crescendo por dentro. Talvez eu esteja distraída no ritmo de colocar o trás para frente, e perdi o olhar das pequenas novidades. Temos é de sempre estar atentos para a realidade de tudo. O problema é que a atenção é uma presença plena, e quando o todo é muito, ela exige demais da gente. Ficamos na querência de se apagar um pouco, de poder descansar os olhos. Existe um fio que muda as coisas drasticamente, a verdade é sempre estreita, e é também a atenção que nos traz a paz. Mas a atenção do agora, não do que está atrasado ou do que deveria ter sido feito. Se paro para ver uma série, me sinto mal, porque era para estar ocupada ou respondendo as mensagens acumuladas. Eu sei que tenho falhado, e a minha falha é também achar que falhei, tudo se repete na profundidade, como uma cobra que engole o próprio rabo. Tem me faltado a alegria. Minha felicidade vem na satisfação fácil de cada coisa, mas a alegria vem me escapando. Eu sei que ela é mais difícil no inverno, mas acho que é pela velocidade do tempo. Nesta semana sonhei que tinha um beija-flor na mão, eu o mantinha preso e o seu bico me fazia cócegas nos dedos, enquanto ele buscava o lugar de fora. Uma amiga me disse que beija-flor é o pássaro da alegria. Na urgência tão grande do tempo que passa veloz, eu tenho uma sede que precisa ser agora. É difícil. O pulso se fecha como um susto, querendo manter tudo muito perto. Mas a verdade está do outro lado. Tem vezes em que a gente precisa abrir a mão para deixar respirar a alegria que já existe ali.

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