#79 O lado de fora

Flávia Six
3 min readMay 12, 2022

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Estou parada na minha janela, e posso agora manter a janela aberta, e muito me vem quando eu posso abrir a minha janela. Eu tenho mais do externo e vejo a rua que caminha com aqueles que vivem na noite. Gente que para na praça aqui em frente e troca duas palavras ou aquele específico, que passa sempre para fumar um cigarro enquanto se senta de pernas cruzadas. Hoje eu estou mais no ar que é ar de fato. Caminho em exploração, e é o calor que me faz isso no corpo. Ontem mesmo fiz o teste de personalidade e, afinal, disseram-me extrovertida. Perguntei-me se sou mesmo para os outros ou se esse é apenas o meu jeito de verão. Mas a primavera parece outra desta vez: estou a ver algo que se nasce dentro do sangue e percorre toda a extremidade de mim, e tenho me sentido muito extrema, um extremo meio calmo, que se parece tanto comigo. Aqui agora, de janela aberta, encontro a árvore à minha frente, e ela se mostrar branca em flores tão grandes quanto o meu rosto. Quando é dia, eu olho para fora e vejo ramos de gente de alma pura, repetindo em sussurros que a vida sempre há de se nascer. A minha boca exalta o círculo das estações do hemisfério de cima, e eu encontro beleza no pulsar que se retrai e se expande conforme o ano corre o seu tempo. Mas a ausência de um lado me enche de presença no outro, e então eu olho as flores que anunciam a primavera nos campos aqui de perto e tudo me parece mais de si, e eu fico feliz. Dias atrás, vim me sentar na grama e me lembrei que o sol quando toca a pele ativa algo na minha alma. Pois é mais fácil rezar quando o corpo se aquece de algo que já é divino. E tenho encontrado a minha reza minha, sem palavras feitas e muitas vezes sem sequer palavras. Porque as coisas são mais leves quando se ri, e eu tenho feito tudo no riso: gargalho sem motivo algum e é como se encontrasse dentro a parte pequena de mim que tem muito a me dizer. Existe uma porta aberta e cada vez que me extraio eu me sinto um espaço maior, e quando se tem espaço maior tudo fica mais largo, como se o espírito crescesse só porque sim. Tudo me parece tão princípio. E em vez de dançar na sala de casa, eu quero é estar com os pés suspensos, cada vez mais no ar que encontra o corpo todo. Pode ser um excesso de graça em ser eu mesma quando me levo daqui, ou apenas um tempo de aventura para depois olhar no espelho as marcas que mexeram nos meus traços. E talvez seja isso mesmo o respiro da vida que morre e nasce, e eu posso como as flores aqui de casa também estar no movimento que pulsa. Me sinto com o resto todo, mas de forma que eles são tão meus, que eu os quero encontrar com os dedos. E a noite passou a ser tempo de quem espera a luz entrar e me fazer abrir ainda mais a janela. Quando na verdade, a vontade é não haver janela alguma. Porque já não quero ser brechas, eu quero estar inteira em tudo, e que nenhuma única parte de mim se feche para as coisas que podem me tocar.

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