Textos sem pé nem cabeça #30

Flávia Six
3 min readFeb 18, 2021

Estou cansada de falar de amor próprio. Sinto meu discurso se repetindo e dando voltas em si mesmo, como que me formando um braço do todo. Eu sei do começo interno e da importância dos olhos fechados, mas estou cansada de falar de próprio. Meu tempo é todo meu, sinto falta de ser de outro. Na minha cansativa autoanálise, eu desfaço ideias e desnudo sensações disfarçadas, mas não é a mesma coisa da discordância. Sinto falta da discordância. Adoro quem não concorda comigo, quem traz diferença e me faz exercitar o corpo em busca do ponto de vista comentado. Essa é a minha graça, a troca do choque que nem sempre acaba em sim. Mas, na sobra de mim, o que me resta é concordar. Concordar e repetir, com a esperança de me fazer lembrar, do exausto amor próprio. Mas estou cansada, é verdade. Sou tão eu que parece que eu sou tudo o que há. É estranho ter que olhar o espelho e ver as cinco de mim, foi um narcisismo desintencional, não era a ideia. Quando lembro bem, gosto é dos encontros. Gosto de conversar, olhar no olho, perguntar do que não sei e pedir histórias que me façam sentir. Sentimento de fora. Acho que é o que me falta, o sentir externo, emprestar emoções e ver que o batimento já não está no meu corpo. Tem poucas coisas mais bonitas do que sentir o que não é nosso. Mas já não gosto de inventar porque, percebi, inventar é só afundar mais em mim. E eu gosto muito de mim, não é isso não. Eu só queria poder me ser ao lado de alguém que não me é. Minha solidão, tão base/tão dita/tão medicinal, tem me corroído os cantos e, afinal, me dói o estômago. Eu vou de um lado pro outro em milésimos, um momento sentada ouvindo som e fazendo um quebra-cabeça feliz; o outro, o terrível terror de estar numa caixa de mim, sem olhos nas frestas e pés no capacho da frente. Também: estou cansada de ter que fazer diferente o tempo, porque nesta caixa ele é sempre igual e preciso mudar a cabeça. Caio no refazer. Até meu sair da rotina parece rotinizado, logo eu, que não sou muito das rotinas por me saberem tão autoritárias. Talvez seja a prisão, aparentemente imposta por outros, mas, por que me sinto culpada? Estou cansada de me culpar. Porque fiz, porque não fiz, porque não fiz o que fiz e porque o feito não é tão bom e talvez fosse melhor nem ter se dado ao trabalho. Me sinto exausta de mim. Pro bem do nosso relacionamento, acho que preciso de uma pausa. Alguém quer trocar? Coisa rápida, duas horinhas. Já ia ser tão bom, viver alguém além de mim. Me sinto densa, eu sei que sou. Esses dias ouvi um tom agudo e me imaginei em alturas mais altas, numa leveza malandra. Poxa, queria conhecer. Ninguém quer trocar mesmo? Juro que devolvo depois. É só o tempo pra sentir saudades de mim. Estou cansada de dizer que estou cansada durante o meu tempo mais descansado. Mas eu sei que o cansaço do corpo é outro, e sei também que cansar descansa de um jeito diferente. Talvez eu só esteja cansada de não me cansar.

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